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Cenário cria expectativa de mais inflação para este ano
Possível volta de imposto sobre combustíveis já pressiona IPCA
Uma prévia do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro acima do esperado, a sinalização mais firme da equipe econômica do governo de que a reoneração de combustíveis pode mesmo acontecer a partir de março e a deterioração das expectativas de inflação têm levado algumas casas a ajustarem para cima suas estimativas de IPCA em 2023 (e mesmo 2024), prevendo para este ano pouca ou uma nenhuma desaceleração em relação a 2022, quando registrou 5,8%.
Ontem, o BNP Paribas revisou suas projeções de 5,5% para 6,5% em 2023 e de 4% para 5% em 2024. No curto prazo, para este ano, o cenário passou a incluir o retorno dos impostos federais sobre gasolina e álcool, cuja isenção foi prorrogada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o fim de fevereiro.
“Estávamos na dúvida, mas decidimos considerar porque tem uma demanda clara do governo por mais gastos e houve comentários recentes de que os impostos voltariam”, diz Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do banco. Em visitas a representações dos setores produtivos e financeiros ao longo deste semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou que não há discussão até o momento sobre nova prorrogação das isenções.
No início da semana, o Bradesco revisou sua projeção para o IPCA em 2023 de 5,1% para 5,7%, refletindo a surpresa altista com o aumento dos valores dos automóveis (referência para o IPVA) no IPCA-15 de janeiro e o reajuste na gasolina anunciado pela Petrobras no início do ano. Pelos mesmos motivos, na semana passada, a MCM já tinha elevado sua projeção para 2023 de 6,2% para 6,4%, enquanto a XP foi de 5,4% para 5,7%.
Ambas as casas consideram a reoneração dos combustíveis, o que o Bradesco, por ora, não faz e que, segundo o banco, aproximaria o IPCA de 6,5% neste ano. O Itaú Unibanco, que espera uma inflação de 5,8% em 2023, também admite em relatório desta semana que a projeção tem viés altista.
Na semana passada, o Rabobank também ajustou sua estimativa de IPCA, mas ainda em um patamar menos pressionado, de 5,2% para 5,4%. Apesar de considerar todos os fatores de revisão mencionados, inclusive a volta dos impostos federais sobre combustíveis, a equipe do banco entende, assim como parte dos analistas, que a reoneração poderá ser compensada, em parte, por preços de commodities mais comportados.
“Esperamos queda especialmente do petróleo, mas também dos preços agrícolas, já que a safra deve ser melhor”, diz Renan Alves, economista do Rabobank. O banco também acredita que o real pode se fortalecer no primeiro semestre. “Tem fatores para os combustíveis baixarem, seja pelo dólar, seja pelo preço do petróleo”, diz Alves.
Na semana passada, incorporando todos esses elementos, o Safra elevou sua estimativa para IPCA em 2023 de 6% para 6,2%. O banco considera ainda a elevação em quatro pontos percentuais da alíquota de ICMS estadual sobre a gasolina, o que está em discussão.
“Pode ocorrer, ainda, aumento das alíquotas de ICMS de outros bens e serviços como alternativa para os Estados recuperarem parte da redução de receitas tributárias decorrente da redução das alíquotas em 2022”, alerta o Safra. “A contribuição desses fatores chega a um ponto percentual em 2023, com alguns efeitos de segunda ordem que podem pressionar a inflação de 2024.”
Extrapolando o curto prazo, Arruda, do BNP Paribas, aponta que o país parece caminhar para um novo equilíbrio macroeconômico, com mais impulso fiscal. “Assumindo que o governo tem a preocupação de trazer o cenário fiscal para um quadro minimamente responsável, será necessário aumentar impostos, o que tende a gerar pressão de inflação”, afirma.
Segundo Arruda, o principal argumento para as revisões nos seus cenários, porém, é a desancoragem das expectativas de inflação, no contexto das discussões sobre qual será a meta de inflação percebida pelo governo e se ela vai mudar oficialmente ou não. “Não quer dizer que um anúncio de mudança da meta acontecerá em junho”, diz Arruda, em referência à reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). “Mas o que a gente vê, olhando para períodos anteriores de desancoragem das expectativas, é que a comunicação do governo importa”, afirma.
O presidente Lula já criticou publicamente as atuais metas de inflação, de 3,25% em 2023 e 3% nos dois anos seguintes. Depois, sua equipe econômica teve de reforçar em mais de uma ocasião que não há, no momento, debate no governo sobre mudança das metas. “A repetida mensagem de falta de paciência com relação à saúde da política monetária também gera desconforto e pressiona as expectativas de inflação”, diz Arruda.
“As expectativas de inflação de consenso estão sugerindo que os analistas já estão trabalhando com uma meta de inflação de fato mais alta”, diz a equipe do Citi, que elevou suas projeções para o IPCA de 4,5% para 5,3% em 2023 e de 3% para 3,6% em 2024 na terça-feira, logo após a reunião do Comitê de Política Monetária. As estimativas ainda estão abaixo das medianas do mercado, que são de 5,7% e 3,9%, pela ordem, segundo o boletim Focus.
“Se vai ter mudança da meta ou não, o estrago já está feito. Teve essa desancoragem que demora para trazer de volta. O custo é ter expectativa de inflação mais alta por mais tempo”, afirma Arruda.
Com projeção de IPCA de 6,7% para este ano, a Terra Investimentos já embutia a piora das expectativas antes mesmo dos ruídos em torno da meta. “Estava contando com uma piora do ambiente de negócios por causa dos sinais da política fiscal emitidos após a eleição. A piora do ambiente de negócios inclui a piora das expectativas de inflação e resulta em uma projeção de preços livres maior”, diz o economista Homero Guizzo.