Rio de Janeiro Eventos

Leia a íntegra do discurso de Izabella Teixeira no Prêmio Personalidade França-Brasil 2024

Senhoras e Senhores, Boa noite.

Senhor Embaixador da França, Emmanuel Lenain, 
Senhor Presidente da Câmara de Comércio França- Brasil - Patrick Sabatier 

Gostaria de saudar a todos por meio de uma mulher, uma amiga sem limites, cuja vida se pauta pelas liberdades, a expansão do saber e do conhecer, a literatura, a verdade e a coragem de questionar, sempre, e de viver os tempos futuros, a escritora e imortal Rosiska Darcy de Oliveira. A sua trajetória de vida me traz até aqui e, certamente, continuará me levando adiante. Obrigada, sempre! 

Inicialmente, agradeço emocionada a homenagem que me é concedida nesta noite. Além do reconhecimento profissional, ela é, também, um encontro com o meu passado, com a minha família materna, com a minha bisavó francesa que nunca conheci, mas que sempre ocupou o imaginário da minha infância. Por outro lado, esse Prêmio se expande e contamina a curiosidade de viver o futuro, que não é mais como antigamente. 

Sou uma pessoa inquieta, curiosa, que provoca e que adora ser provocada. “Um corpo com história, que vive de suas escolhas, já é, em si, uma liberdade”. O Prêmio é uma provocação, uma deliciosa provocação! 

Não percebo a vida e o futuro com angústia, na contramão de Camus.  Talvez por ter nascido em Brasília, numa geração cuja história e o passado da cidade eram a vida sendo vivida. O “antes” de Brasília, fundada um ano anterior ao meu nascimento, não era o local/distrital, era o Brasil e o mundo, que eu me deparava, inexoravelmente, no Rio de Janeiro. No começo, a Cidade Maravilhosa sempre foi o canto do mundo que eu encontrava o passado, a história (os passeios com o meu avô pelo centro da cidade e as explicações sobre o que continham os prédios e as ruas são parte das minhas memorias com afeto). Mais adiante, passou a ser o lugar do mundo que eu me deparei com o futuro: da Rio 92 à Rio + 20. E do Rio, eu segui viagem até Paris, em 2015. 

Sou oriunda da Universidade de Brasília – UnB, criação de Darcy Ribeiro e de Anísio Teixeira. 
Darcy Ribeiro era um homem brilhante, inquieto, utópico, contraditório, libertário. Procurou o Brasil a sua vida toda. Dizia de si mesmo que olhava o seu país e a sua gente “Por todos os lados: em cima e embaixo. Porque quem tem um país para fazer, desse tamanho, que tem potencialidades imensas, se não prefigurar na cabeça o que vai ser, se não inventar o país que há de ser, o país nunca vai dar certo. Nós já temos séculos de erros e absurdos porque outros pensaram o Brasil para nós”. 

Na UnB, descobri as liberdades do conhecimento sem barreiras, da política, o exercício incansável pela democracia, a importância da ciência e do saber. Me apaixonei pelo Brasil e passei a acreditar ser possível inventar e construir o país que eu queria. A vida me colocou nos vários Brasis e no mundo. E sempre dois passos adiante, como muitos comentam com algum desassossego. 

Com esses passos, vejo que nos despedimos da Era do Ontem, de um eixo civilizatório, e seguimos para um novo momento da Humanidade. Um mundo em uploading, em movimento(s), cuja contemporaneidade demanda que a Política se organize em torno da Natureza e de algoritmos. Longe de unificar, a natureza divide, como sinaliza Latour. As preocupações ecológicas nas agendas de clima, biodiversidade e energia tomam espaço no mundo em mudança, mas não tomaram, ainda, a forma de uma mobilização geral, de um horizonte político. Estimulam a fúria da juventude, a perplexidade de muitos e a espera de outros. 

Em 2015, o Acordo de Paris consagrou as formas e os limites (possíveis) do movimento político internacional em torno da questão climática e da ciência como um ator potencialmente estratégico. A questão climática é aquela que se impõe como um dos temas (além das armas nucleares) que pode alterar os rumos da evolução do homem, como sinalizou o Presidente Obama.

Dez anos depois de negociar o Acordo em nome do meu país, estive há algumas semanas em Paris, a convite do Presidente Macron, para uma conversa sobre geopolítica, paz, segurança, equidade, democracia, novas gerações, fragmentação da realidade política e de nossas sociedades, guerras, o não à polarização, a natureza, e as mudanças do clima: “the needs of Nature mean a lot”. 

Esse contexto abre possíveis caminhos para coalizões e o fortalecimento de relações bilaterais, o que pode ser muito favorável ao alinhamento entre França- Brasil em torno de interesses convergentes que lidam com os trade-offs do presente e as soluções mais permanentes, orientadas pela descarbonização da economia.  E, ainda, pode ajudar a tomar distância cautelosa dos temas ou demandas  domésticas, tais como o protecionismo verde, que se voltam contrárias ao enfrentamento da emergência climática. 

Os anos de 2024 e 2025 são estratégicos e estruturantes para tempos que se anunciam. As questões climática e de inovação anunciam poder e  se impõem no jogo geopolítico, além de definir os contornos das novas rotas de produtividade, competitividade e acesso a mercados. Ambas as agendas são tradadas inside & offside do sistema multilateral. Esse continuará em crise e demandando reformas. O jogo internacional será jogado nos vários arranjos de cooperação e não se limitará aos atores públicos. Cada vez mais, o setor privado, a filantropia e a sociedade terão voz e papel para promover interesses comuns e soluções negociadas associadas. 

Os resultados do G20 e das COP 16 e 29, em Cali e Baku, respectivamente, são ilustrativos desse momento do mundo. A presidência do Brasil, com ousadia e habilidade diplomática, dotou o G20 de resultados políticos mais eficientes. As COPs, por sua vez, revelaram o esgotamento de um modelo de governança global, a exposição de fraturas no processo de negociação entre desenvolvidos e em desenvolvimento e uma profunda decepção com os processos de negociação internacional.  

Esse cenário, impactado pela eleição americana e por possíveis outros resultados adversos na Europa, alicerça a agenda internacional de 2025:  a presidência do Brasil no Brics+ e na COP 30, a presidência da África do Sul no G20, a presidência do Canadá no G7 e as Cúpulas sobre o novo Pacto Social, no Catar, e sobre Financiamento Global, ne Espanha. As agendas se conectam e não devem ser conduzidas exclusivamente em silos. É preciso ter coragem e ousadia no papel de presidir. 

Por outro lado, vale observar, como nos lembra outra boa amiga Laurence Tubiana, que a COP 30 no Brasil pode ser lida em três perspectivas e prioridades distintas: COP 30 como Paris + 10, COP 30 como uma COP na Amazônia e COP 30 como o Brasil no mundo das COPs. E essa paisagem política exigirá da sua presidência criatividade, habilidade, ousadia, paciência e convicções sobre onde chegar e com quem chegar. Não cabem improvisos ou tão pouco argumentos tímidos. O poder de convocação da presidência do Brasil deve ser contemporâneo, realista e inspirar confiança na diversidade de desafios que cerca a COP30.

Prestes a completar 10 anos do Acordo de Paris, é fundamental pensar os 10 anos além de Belém: o que eu chamo de Belém Plus, no qual a necessária prioridade a ser conferida às NDC’s, à Action Agenda pelos Estados-membro e o melhor alinhamento com os setores privado e financeiro deverão pautar o pacote de ambição em mitigação e adaptação e o engajamento dos grupos de interesse. Isso requer, por parte da liderança brasileira, a definição de um  roadmap para Belém, agendas de interesse comum, estratégias, parceiros e amigos e visão dos seus resultados. Internamente, o Brasil precisará dar conta dos Brasis.   

A nossa tarefa política como país anfitrião será dotar o Acordo de Paris de novo ciclo de vida: não é mais cabível processos de negociação como o vivido em Baku. É preciso que se eliminem das salas de negociação a hesitação. O ponto de partida não pode ser preservar o status quo ou o paralisar em função das incertezas de natureza geopolítica. 

Tão pouco, pode-se deixar de lado o risco climático como uma incerteza moduladora de realidades daqui para frente e a necessidade de assegurar resiliência para os loosers and winners. São os tempos da suficiência e não mais da eficiência. Não obstante, cabe assinalar que a inovação tecnológica exercerá cada vez mais o poder de convocação dessa agenda. A soberania dos dados, o papel estratégico de hospedar “data centers” e a conectividade de agendas – segurança climática, energética, mineral, hídrica, alimentar e sociedades menos vulneráveis marcarão cada vez mais as agendas de mitigação, adaptação e resiliência climática. Dez anos depois, o jogo de agir com as mudanças climáticas já acontecendo acontece em paisagens muito distintas. 

Negociar clima requer ousadia e coragem em torno de objetivos comuns e não de “medos comuns”. É preciso construir confiança e possibilitar fluxos reais de dinheiros com bom regramento, inovadoras e criativas parcerias entre o velho e o novo dinheiro, tomar risco e novos instrumentos. O risco climático também impacta o custo do dinheiro e, por consequência, o setor privado. Observem que com a decisão do artigo 6, em Baku, pode-se e deve-se, finalmente, construir o mercado internacional de carbono com alta integridade. 

Novos resultados demandam novas governanças das COPs, que  não podem se limitar à constituency ambiental e precisam viabilizar um campo mais amplo de entendimento sobre inovação, segurança energética e mineral e finanças: a centralidade dos investimentos, e seus diferentes tipos de financiamento, os novos modelos de negócios  ocuparão o imaginário politico e econômico de Belém plus. É urgente trazer outros adultos às salas de negociação. 

Sobre a Amazônia, a maior fronteira seca da França,   a comunidade internacional tem a sua visão bem estabelecida sobre a maior floresta tropical do mundo. O Brasil precisa definir a sua, de forma pactuada com os amazônidas e com toda a sociedade, indo além da ambição do fim do desmatamento (uma imposição moral e ética para a sociedade brasileira).  “Nós já temos séculos de erros e absurdos porque outros pensaram o Brasil para nós”.

Por sua vez, o diálogo sobre os                                                          extremos climáticos não pode ser orientado pelo tom de tragedia. Não se trata de uma catástrofe a ser esperada, assim como não cabe ao Brasil ser refém de eventos. Faz-se necessário diferenciar a gestão de crises da gestão de riscos por esse lado do mundo. É preciso romper inercias e assumir, de fato, vocações como na bioenergia, na economia da biomassa, na industrialização verde, nas novas economias verdes, na segurança mineral e alimentar, além de uma gestão ambiental pública inovadora e que não se sobreponha à governança climática. 

Nessas novas dinâmicas, há que se fazer espaço também para a reconstrução das nossas democracias. Vieram da França do século 18 os ventos dos regimes modernos, a partir dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Mais de três séculos depois veio do meu país, herdeiro de um passado autoritário, uma das maiores demonstrações da sua importância nos tempos atuais. Democracias importam porque é nelas – e somente nelas – que as minorias têm preservados e garantidos seus direitos de todas as ordens, aqui, a despeito das incertezas do futuro, sabemos que o mais importante é que ele não repita o passado.

Num momento em que a questão climática será um stress adicional aos regimes políticos, essa reconstrução precisa também se reinventar sob novos tempos, abrindo caminhos para uma nova geração, para novas institucionalidades, para o estabelecimento de novos limites e regulações, para políticas que reduzam desigualdades, gerando prosperidade ao maior número de pessoas em todos os lugares. E,  com isso, permitindo o florescimento de novas esperanças.

No centro disso, é preciso pessoas. Pessoas jovens. Saúdo aqui a nova geração em nome de uma outra amiga querida, a cientista política Mônica Sodré. Tenho confiança que o Brasil que sigo acreditando, sonhando e construindo também compartilho com você, É preciso coragem para seguir viagem com outros atores ao seu lado, dividir palcos e cenas e acreditar que há outras capacidades e pessoas com a mesma determinação e alinhamentos. 

Viver, senhoras e senhores, exige autoria. O destino se cumpre na medida em que se escreve. 
Que o nosso presente e o nosso futuro espelhem nossa grandeza e essa coragem de ser brasileira e  mulher. Vamos lá ser felizes! 

Merci! 


Izabella Teixeira 
Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2024.

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