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Privacidade e Proteção de Dados na Era das Redes Inteligentes: Desafios e Perspectivas para o Setor de Energia

Confirma o artigo escrito por Brenda Beltramin, advogada no CHENUT e especialista em Direito Digital.

Uma revolução tecnológica e de inovação marcou o setor de energia nos últimos anos. Desde a otimização das baterias e o avanço na mobilidade elétrica (com o aumento na utilização dos carros e ônibus elétricos) até a criação de sistemas de gestão de energia em tempo real, as empresas do setor energético vivenciam uma verdadeira transformação tecnológica.

Dentre as inovações tecnológicas que acompanham a transição energética para fontes renováveis, uma delas se destaca: as redes inteligentes de distribuição (ou smart grids) são a promessa para o futuro da energia². Essas redes combinam dados sobre o consumo de energia com o objetivo de aprimorar a eficiência, a economia operacional do sistema e facilitar a integração de energias renováveis como a fotovoltaica (energia solar), cada vez mais comum no Brasil³.

Não à toa, o tema de modernização de sistemas de medição para transição energética está na agenda regulatória da ANEEL⁴, que vem apoiando projetos de pesquisa e desenvolvimento relacionados ao uso de redes inteligentes⁵. Nessas redes, a coleta das informações sobre o consumo de um estabelecimento ou residência é feita por meio de medidores inteligentes. Tais dispositivos coletam dados específicos sobre o uso de energia e os disponibilizam para consumidores e empresas envolvidas no fornecimento de energia, a exemplo de empresas que monitoram em tempo real o funcionamento de sistemas de energia renovável. Esses dados proporcionam uma visão detalhada do consumo, facilitando o acompanhamento e proporcionando uma melhor gestão e até mesmo a economia de energia.

No entanto, não podemos ignorar a sensibilidade das informações coletadas por medidores inteligentes. Com dados tão detalhados sobre o consumo de energia, é possível determinar os horários em que uma residência está desocupada e até mesmo inferir hábitos específicos de seus moradores (por exemplo, quando dormem ou utilizam eletrodomésticos, seus dispositivos de entretenimento preferidos e até mesmo o uso de aparelhos de saúde). Agregados, esses dados permitem uma visão muito acurada do perfil dos moradores de uma determinada residência, suas atividades rotineiras e seus hábitos.

Nesse contexto, o acesso aos dados gerados pelos medidores inteligentes não pode ocorrer de forma irrestrita com desvio de finalidade. A privacidade e segurança da informação emergem como assuntos indispensáveis nessa modernização e o tema vem sendo discutido há mais de uma década na Europa. Com efeito, em 09 de março de 2012 a Comissão Europeia emitiu recomendações gerais sobre o smart metering⁶ que já contemplavam – antes mesmo da existência do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) – o tema da proteção dos dados pessoais coletados pelos medidores. Essas recomendações foram reiteradas e complementadas em seguida por outras autoridades regulatórias no contexto europeu⁷⁸⁹.

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018, LGPD) aplica-se a todas as empresas e instituições que lidam com dados pessoais e estabelece diretrizes para o tratamento desses dados. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) já iniciou sua atuação de fiscalização de empresas e órgãos públicos, sancionando diversos casos de não conformidade ¹º ¹¹ ¹².

Haja vista a sensibilidade das informações coletadas e processadas, é crucial que as medidas de segurança empregadas para proteger essas bases de dados sejam robustas e constantemente atualizadas, pois os consumidores estão cada vez mais preocupados com seus dados pessoais ¹³. Com efeito, o acesso indevido a tais dados por criminosos (por exemplo, vazamento de dados) pode expor diversas pessoas a riscos elevados, inclusive para sua segurança patrimonial e pessoal. Esses riscos devem ser tratados com seriedade frente ao aumento global de ameaças cibernéticas ¹⁴, sobretudo considerando a vulnerabilidade do setor de energia. 

De fato, pesquisas demonstram que entre 2022 e 2023, 90% das maiores empresas de energia do mundo sofreram incidentes de segurança em que os dados foram afetados em decorrência de falha de segurança de terceiros, notadamente prestadores de serviço e parceiros de negócios dessas empresas ¹⁵. 

Assim, a implementação de medidas de segurança técnicas e organizacionais apropriadas à sensibilidade dos dados pessoais tratados deve ser uma prioridade para a utilização de medidores inteligentes ¹⁶, indo além das recomendações do regulador brasileiro do setor elétrico sobre o tema ¹⁷. 

Em termos de conformidade com a LGPD – haja vista o alto volume de dados com potencial significativo de intrusão na vida privada – recomenda-se a elaboração de um Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais nas atividades envolvendo dados de medidores inteligentes. O Relatório de Impacto auxilia a identificar, sopesar e tratar os riscos e salvaguardas existentes no tratamento desses dados pessoais.

Ademais, as melhores práticas da União Europeia ¹⁸recomendam a coleta de consentimento dos consumidores para atividades que excedam o fornecimento de energia, o faturamento, a detecção de fraude e a preparação de dados agregados necessários para a manutenção eficiente de energia da rede. Quando necessário, esse consentimento deve ser coletado e gerenciado nos termos da lei.

As empresas devem também mencionar, em sua Política de Privacidade, a forma de uso dos dados coletados por meio dos medidores inteligentes e estar – grande desafio – prontas para responder a possíveis questionamentos ou solicitações de exercício dos direitos garantidos pela LGPD aos titulares de dados pessoais.

Atentos a esse risco, determinados fabricantes de medidores inteligentes integram na sua concepção (privacy by design) a privacidade do consumidor, disponibilizando ferramentas que tornem possível a desativação da coleta de certos dados granulares. 

A proteção de dados pessoais torna-se, assim, um elemento essencial a ser considerado para a evolução sustentável da tecnologia. É um caminho sem volta.

 


¹ Brenda Beltramin é advogada no CHENUT e especialista em Direito Digital.

² https://www.weforum.org/agenda/2022/12/the-future-of-smart-energy-is-systemic-open-and-collaborative/

³  https://www.absolar.org.br/noticia/capacidade-de-energia-solar-no-brasil-deve-crescer-42-em-2023-a-34-gw-preve-absolar/

⁴ https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/instrumentos-regulatorios/agenda-regulatoria, “Avaliação dos sistemas de medição para transição energética e modernização no segmento de distribuição”

⁵  https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2022/aneel-apresenta-resultados-em-eventos-internacionais-sobre-digitalizacao-e-transicao-energetica

⁶  https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/a5daa8c6-8f11-4e5e-9634-3f224af571a6/language-en

⁷  https://www.edps.europa.eu/data-protection/our-work/publications/opinions/smart-metering-systems_en

https://ec.europa.eu/justice/article-29/documentation/opinion-recommendation/files/2011/wp183_en.pdf

https://energy.ec.europa.eu/topics/markets-and-consumers/smart-grids-and-meters/data-protection-impact-assessment-smart-grid-and-smart-metering-environment_en

¹º https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-aplica-a-primeira-multa-por-descumprimento-a-lgpd

¹¹ https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-sanciona-inss-e-secretaria-de-educacao-do-df-por-violacoes-a-lgp

¹² https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-sanciona-inss-e-secretaria-de-educacao-do-df-por-violacoes-a-lgpd

¹³ https://www.ey.com/pt_br/agencia-ey/noticias/pesquisa-fci–91–dos-brasileiros-estao-preocupados-com-as-finan

¹⁴  https://www.apple.com/newsroom/pdfs/The-Continued-Threat-to-Personal-Data-Key-Factors-Behind-the-2023-Increase.pdf

¹⁵ https://securityscorecard.com/research/third-party-data-breaches-in-the-energy-sector/

¹⁶ Kua, J.; Hossain, M.B.; Natgunanathan, I.; Xiang, Y. Privacy Preservation in Smart Meters: Current Status, Challenges and Future Directions. Sensors 2023, 23, 3697. doi.org/10.3390/s23073697

¹⁷ A Resolução Normativa 964/2021 da ANEEL estabelece parâmetros de segurança e de resposta a incidentes aplicáveis a todos os agentes do setor de energia.

¹⁸ https://www.edps.europa.eu/data-protection/our-work/publications/opinions/smart-metering-systems_en

 

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