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Brasil e América Latina entre avanços e incertezas globais

Evento da Comissão de Comércio Exterior da CCIFB-SP avalia cenários econômico e político da região.

Quais os caminhos para o Brasil em meio às tensões globais? Essa foi a pergunta que norteou o evento promovido pela Comissão de Comércio Exterior da CCIFB-SP, realizado em 8 de abril – o primeiro após a reinauguração da sede da instituição. Com moderação de Sueli de Freitas Veríssimo, o debate contou com a participação de Ricardo Mendes e Thiago Vidal, da Prospectiva, empresa de relações governamentais que atua em vários países latino-americanos.

A apresentação focou no cenário político e econômico da América Latina, destacando tanto os sinais de recuperação quanto os obstáculos estruturais persistentes. Mesmo com o histórico de instabilidade, os analistas apontaram uma projeção de crescimento de 2,5% para o PIB regional em 2025, desempenho superior ao de economias desenvolvidas como Estados Unidos e União Europeia. Ainda assim, o otimismo vem acompanhado de ressalvas, sobretudo em relação à qualidade desse crescimento, sustentado principalmente pelo consumo, e não por investimentos produtivos — característica comum a países como Brasil e México.

Esse cenário interno se torna ainda mais desafiador diante das mudanças no contexto geopolítico global. A crescente polarização entre China e Estados Unidos, como explica Mendes, tem provocado a reconfiguração das cadeias produtivas, beneficiando economias mais integradas ao mercado americano, como o México. No entanto, os efeitos desse movimento se espalham por toda a região, com impactos na inflação e pressões sobre os modelos industriais tradicionais dos países latino-americanos.

No aspecto fiscal, os efeitos da pandemia continuam presentes. A média de arrecadação na América Latina permanece em torno de 21% do PIB — muito abaixo dos 35% da média da OCDE —, o que limita a capacidade de investimento em setores essenciais. Um dos especialistas ressaltou que o problema não é apenas a baixa arrecadação, mas também a má gestão dos recursos. “A América Latina gasta muito, gasta mal”, afirmou Vidal, apontando a necessidade urgente de modernização dos sistemas fiscais para garantir eficiência nos gastos com saúde, educação e infraestrutura.

O Brasil exemplifica esse paradoxo regional. Apesar de registrar um crescimento acima de 2,5% e uma das menores taxas de desemprego dos últimos anos, o país vive um ambiente de pessimismo generalizado. A estagnação do investimento público — que caiu de 4% para 1% do orçamento em duas décadas — e a dificuldade do Estado em implementar políticas públicas eficazes contribuem para essa percepção negativa. Como resumiu Vidal, “ao contrário do que se via alguns anos atrás, hoje as pessoas não querem só sobreviver. Elas querem qualidade de vida”.

Essa distância entre os indicadores econômicos e a realidade percebida pela população também se reflete na política. A fragmentação partidária continua sendo um entrave à governabilidade, mesmo com a redução no número de legendas com representatividade. A eleição de 2022 foi marcada pela personalização do voto, e o atual governo ainda busca uma linha clara de atuação. Apesar disso, o Congresso tem avançado em reformas regulatórias e de infraestrutura, importantes para destravar o ambiente de negócios no médio prazo.

A insatisfação popular no Brasil também tem peculiaridades em relação aos vizinhos latino-americanos. Enquanto em países como México e Colômbia a segurança pública lidera entre as maiores preocupações sociais, no Brasil é a saúde que ocupa o primeiro lugar. Isso amplia a importância simbólica de mudanças no Ministério da Saúde e acentua a pressão sobre o governo diante da alta dos juros e da inflação. “É melhor segurar uma taxa de juros de 15% do que ver a inflação a 12%”, disse Thiago Vidal, ao comentar os dilemas da política monetária brasileira.

Por fim, os especialistas chamaram atenção para o papel estratégico do Brasil na nova configuração global. A atuação internacional do governo Lula foi vista de forma positiva, por recolocar o país em destaque diplomático após anos de isolamento. A política externa, embora bem avaliada em termos de imagem, ainda gera dúvidas quanto à efetividade econômica, especialmente em acordos com países pouco complementares. Ao mesmo tempo, o avanço das taxas de juros nos EUA e a valorização do dólar colocam pressão sobre toda a região, com impacto maior em economias mais frágeis. Diante disso, os convidados acrescentaram que o Brasil, com sua dimensão econômica, demográfica e ambiental, está em posição privilegiada para liderar o protagonismo do Sul Global, desde que enfrente seus entraves internos e aproveite as oportunidades desse novo ciclo internacional.

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