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Setor de apostas mira equilíbrio entre lucro e responsabilidade
Evento promovido pela Comissão Legal da CCIFB-SP debate a regulamentação e o impacto das bets nas empresas e no mercado de trabalho.
Em 15 de abril, a Comissão Legal da CCIFB-SP realizou o evento "Bets: apostas esportivas e as diretrizes do jogo responsável – como isso pode impactar a sua empresa?", explorando o rápido crescimento do mercado de apostas no Brasil e seus reflexos no ambiente corporativo.
Com participação de José Daniel Gatti Vergna (Mattos Filho), Fellipe Fraga (EstrelaBet), Felipe Alves Pacheco (Chenut Advogados) e moderação da vice-líder da Comissão, Chantal Pillet, o encontro abordou desde os avanços em segurança jurídica e atração de investimentos até os riscos sociais e corporativos, como vício, endividamento e queda de produtividade. Estiveram presentes Philippe Boutaud Sanz e Thais Arza, respectivamente líder e vice-líder da Comissão.
O mercado de apostas esportivas no Brasil vive um momento de transformação. Com a regulamentação oficializada no fim de 2023, o setor deixou de operar à margem da legalidade e passou a responder a exigências rígidas impostas por novas normas. Durante um evento que reuniu especialistas jurídicos, representantes de operadoras e profissionais da saúde e do setor empresarial, os participantes destacaram que a mudança foi bem-vinda, mas complexa. “Foi a virada de ano mais maluca da história”, contou Fraga, da EstelaBet, ao lembrar da corrida das empresas para adaptar sistemas e garantir conformidade. Segundo ele, “diferentemente de outros setores, o nosso mercado lutou por regulação”.
Direitos e normas – O advogado Felipe Pacheco reforçou que, embora tardia, a regulamentação trouxe segurança jurídica e proteção para todas as partes envolvidas. “O apostador, agora, tem direitos. E o regulador tem poder de exigir que eles sejam respeitados”, afirmou. Ele destacou, porém, a confusão gerada pela existência de mais de 40 normas diferentes, entre leis, decretos e portarias, e criticou a falta de diretrizes claras sobre o destino das contribuições obrigatórias. A Portaria nº 1.231/2024 foi apontada como um marco ao exigir medidas de jogo responsável como ferramentas de autoexclusão, alertas de tempo de uso e limites de valor de aposta por usuário.
A preocupação com a integridade das operações e os impactos sociais das apostas também foi abordada no encontro. Estudos citados durante o evento revelam que jovens entre 16 e 24 anos são os que mais apostam no Brasil, o que levanta um alerta sobre a vulnerabilidade desse grupo. “Precisamos comunicar adequadamente o que são apostas fixas. São entretenimento para adultos, não investimentos”, alertou Vergna, especialista em Direito Trabalhista. O cuidado com a linguagem publicitária também foi discutido, em especial com a nova proibição de anúncios que associem apostas a sucesso financeiro.
Preocupação das empresas – No ambiente de trabalho, os efeitos da popularização das apostas digitais já são sentidos. Dados apresentados por especialistas mostram que 80% dos gestores acreditam que o hábito afeta o desempenho dos colaboradores. Mais de 50% dos trabalhadores com dificuldades financeiras afirmam estar nessa situação por causa das apostas. “Apenas 6% das empresas discutem o tema internamente. Isso é preocupante”, alertou Vergna, defendendo ações educativas e programas de bem-estar voltados ao tema.
A saúde mental dos trabalhadores foi outro ponto sensível da discussão. Dados mostraram que 51% dos profissionais expostos a jogos de aposta relatam sintomas de ansiedade. “A ansiedade, além de ser um transtorno em si, é uma porta de entrada para outras influências, como o burnout”, acrescentou o advogado. A percepção dos próprios colaboradores é de omissão: 29% estão insatisfeitos com a forma como suas empresas lidam com o problema, e 36% dos gestores dizem estar preparados — dado que chama a atenção pela contradição.
Conscientização contra o vício – Casos concretos ilustraram a gravidade do vício, como o da estudante de medicina da USP que desviou recursos da comissão de formatura para apostar. No ambiente corporativo, exemplos como o de um funcionário que desviou R$ 430 mil da área financeira para jogos e outro que acumulou R$ 145 mil em reforçam a importância de políticas internas claras. “O que mudou foi a forma como o vício se manifesta — agora ele está no celular, à distância de um clique”, disse Vergna, destacando a urgência de atualização das empresas frente à legislação trabalhista.
Na visão das operadoras, o compromisso com o jogo responsável é também uma questão de sustentabilidade de mercado. “Um cliente viciado não é um bom cliente”, afirmou Fraga, da EstrelaBet, que apresentou iniciativas como monitoramento de comportamento, limites de tempo e valores de aposta. Segundo ele, a empresa já recebeu prêmios pelas políticas de prevenção e pelo atendimento ao cliente. “Nosso sistema detecta comportamentos de risco e atua com alertas e intervenções antes que a situação fuja do controle”, explicou.
Para os convidados, a regulamentação das apostas é apenas o primeiro passo de uma longa jornada. A responsabilidade, afirmaram, é coletiva e deve envolver operadoras, governo, empresas e sociedade. “Não se trata de demonizar as apostas, mas de garantir que elas sejam seguras, reguladas e que não se tornem um problema social”, resumiu Felipe Pacheco. O consenso foi claro: é preciso tratar o jogo como entretenimento, mas com os olhos abertos para seus riscos reais e crescentes.