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'O apartamento de um Airbnb não tem nada a ver com nossos hotéis', diz CEO da Accor Américas
Líder da maior rede hoteleira no Brasil quer trazer mais bandeiras para o país, que concentra 60% da expansão do grupo no continente americano
A Accor, maior rede hoteleira do Brasil e uma das maiores do mundo, quer expandir sua presença no país com a introdução de novas marcas e investimentos estratégicos. Em entrevista ao GLOBO, Thomas Dubaere, CEO para as Américas da divisão de hotéis premium, midscale e econômico do grupo francês, fala dos planos de crescimento, com a abertura de novos hotéis, mas aponta os juros altos e a inflação como obstáculos.
Além disso, o executivo, que está há 35 anos no setor, avalia que a regulação de plataformas como o Airbnb em grandes cidades — como a que está em debate no Rio — e o movimento de algumas localidades para limitar o volume de turistas têm como objetivo garantir a sustentabilidade do setor. Dubaere defende maior investimento em infraestrutura e segurança como fatores-chave para aumentar o turismo no Brasil, principalmente atraindo estrangeiros. “Não quero um hóspede em meu hotel que volta para seu país com uma experiência que não é boa”, afirma.
Quais os desafios do mercado brasileiro de hotelaria?
"O Brasil é um mercado bem doméstico. Os turistas da América do Sul são apenas 10%, e os de outras partes do mundo somam apenas 5%. O restante é formado por brasileiros. Por isso, achamos que ainda há muito potencial de crescimento. Nos primeiros meses deste ano, dobramos o número de turistas estrangeiros, mas isso tem relação com o dólar.
A maioria das pessoas da Europa e América Latina conhece só Rio e São Paulo. É um assunto que discutimos muitas vezes com o governo para promover o Brasil, pois o mercado doméstico está bem. Dos 110 países onde atuamos, 75% do negócio é regional. No Brasil chega a 85%. Mas o Brasil, por ter muito turismo doméstico, sofre menos com impactos geopolíticos, com o que ocorre no mundo".
Mas qual é o desafio para ampliar o número de turistas estrangeiros?
"Além da segurança, um dos desafios é a infraestrutura. Muitos chegam por São Paulo e depois precisam pegar outro voo e um carro, por exemplo. Mas não é só ampliar a malha aérea. Os voos (domésticos) no Brasil são caros. Na Europa, você pode pegar um voo com um custo de US$ 100 a US$ 150. Aqui isso falta ainda. É preciso ter mais companhias aéreas com preços competitivos".
E como esse cenário se reflete na estratégia da Accor para o Brasil?
"Nas Américas, 85% da densidade de nossos hotéis estão na América Latina. No Brasil, chegamos há 48 anos, com Ibis e Novotel. Hoje temos 330 hotéis no país. Nas Américas, temos 450 hotéis e a ambição de chegar a 600, dos quais 95 já estão com assinaturas feitas com previsão de abertura nos próximos dois anos. E 60% do nosso plano será no Brasil, onde somos o líder e vamos continuar com essa posição.
E isso será com as marcas econômicas e midscale, como Ibis, Novotel e Mercure, que serão cerca de 80% do total da expansão que será desenvolvida. E estamos tentando crescer com marcas mais premium como Pulmann, Grand Mercury, Swissôtel e Mövenpick, que foi uma aquisição que fizemos recentemente. O desafio das marcas premium são as taxas de juros, e que vão subir mais, além da inflação".
Porque esse cenário é desafiador para hotéis ‘premium’?
"Para investimentos em hotéis premium e construções a partir de zero é complicado ter juros altos. Isso porque é um investimento maior em relação a uma bandeira econômica. Assim, muitos de nossos hotéis futuros são de conversões. Ou seja, hotéis que já existem. A marca já tem uma distribuição e o marketing. A conversão desses espaços será cerca de 40% das aberturas (da Accor) no segmento premium".
Quais marcas a companhia pretende ampliar no Brasil?
"Em Medelín, na Colômbia, estreamos a marca Tribe, que começa agora em Belo Horizonte. É uma bandeira que queremos desenvolver e, mesmo não sendo de luxo, é de lifestyle. Em premium, queremos crescer em Pullman e Swissôtel. A Mövenpick será resort de lazer.
No Brasil, há muitos destinos com praias. Estamos olhando o que podemos fazer nesse segmento. Temos 45 marcas em 110 países, e na região das Américas temos 11. No Brasil, são oito. Nossa estratégia é ter densidade e não todas as marcas. Os principais projetos futuros serão no Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Pará, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro".
E no resto da região?
"Queremos acelerar o desenvolvimento em outros países também. O principal será o México, onde já trabalhamos em projetos, além de Chile, Peru, Argentina e Colômbia. E a ideia é colocar bandeiras em grandes cidades nos EUA. Abrimos a marca Handwritten Collection, com um conceito padronizado e programa de fidelidade. Temos em São Franciso e Puerto Vallarta, no México. Mas também queremos trazer para o Brasil".
Depois da pandemia, as viagens a lazer cresceram em ritmo acelerado. O setor corporativo já voltou?
"Há três segmentos hoje no setor: lazer, corporativo e de eventos. E esses três segmentos estão cada vez mais se misturando, criando o que chamamos de bleisure, que é a união de business (negócios) com leisure (lazer). Se tem um evento, por exemplo, as pessoas ficam mais tempo para conhecer a cidade e trazem a família. É uma transição.
Os grandes eventos são hoje motivo para a viagem. Queremos aproveitar essa tendência. As pessoas combinam tudo isso para viajar. Então, podem fazer menos viagens, mas as estadias ficam mais longas. O turismo de lazer foi o primeiro a ter voltado após a pandemia. Mas hoje todos os segmentos chegaram a 2024 no mesmo nível de 2019, antes da pandemia".
Atualmente há uma discussão para criar regras para o Airbnb no Rio de Janeiro. Como o senhor vê essa concorrência?
"Em 2019, no mundo inteiro, tivemos 1,4 bilhão de viajantes. Isso caiu para 400 milhões na pandemia. Em 2024, chegamos a 1,4 bilhão e em 2025 vamos crescer. Nos próximos anos, a demanda vai ter alta entre 4% e 5%, mas a oferta (de hotéis) vai crescer de 2,5% a 3%. Por isso, a nossa indústria é abençoada, pois o crescimento da demanda é maior que a oferta.
O Airbnb já existe há muitos anos. Acho que é uma experiência diferente. O apartamento de um Airbnb não tem nada a ver com nossos hotéis. Você não tem serviço e não tem certeza da segurança. O hóspede não sabe. Por isso, o governo quer regularizar isso, pois o hóspede quer estar num local seguro. Por isso, são dois segmentos bem diferentes. Em algumas cidades há ainda o problema do overtourism (excesso de turistas), como em Barcelona".
Mas esses movimentos contra a presença de turistas não são ruins para o setor?
"Não é sustentável. Não quero ter um hóspede em meu hotel que volta para seu país com uma experiência que não é boa. Eu quero que eles voltem. E só vão voltar se tiverem uma boa experiência. Cada momento tem que ser bom. Por isso, o Brasil é um bom exemplo. Eu gosto de São Paulo e do Rio. Mas tem Pantanal e Bonito, por exemplo, onde há pequenas pousadas, mas não há hotéis.
E é justamente para evitar o overtourism que temos que encontrar outros destinos. É trabalhar com o governo para encontrar outros locais com infraestrutura. No Peru, as pessoas falam só de Machu Picchu. Mas há outros lugares no país, e é preciso investir na infraestrutura. E eles estão trabalhando na construção de trens, com base nos achados arqueológicos".
Mas plataformas como Airbnb são concorrentes dos hotéis?
"Depende da experiência que o turista procura. A ocupação média (dos hotéis) no Brasil há quatro anos era 54%. Em 2024, chegamos a 59,4%. Após a pandemia, o crescimento foi baseado na diária média. Por isso, o desafio é elevar a ocupação".
E como impedir o aumento das diárias a ponto de restringir a demanda?
"Acho que a diária tem que aumentar conforme a inflação. Temos investidores. E se os custos aumentam, temos que recuperar de uma forma ou de outra. Por isso, estamos trabalhando com tecnologia para reduzir as despesas, com plataforma de compras.
Temos muitas iniciativas nesse sentido. O crescimento no Brasil tem que ser um equilíbrio entre a diária e a ocupação. Nos últimos quatro anos, o crescimento foi basicamente impulsionado com base na diária, e isso não vai continuar porque em algum momento não será bom. Mas foi até um movimento normal, pois, depois da pandemia, todo mundo queria viajar. Temos que trabalhar para ter alternativas econômicas".
Falta articulação entre o setor e o governo?
"Tenho o sonho de criar um comitê de pessoas da indústria hoteleira, de companhias aéreas e do governo para promover infraestrutura, voos mais baratos e ter mais hotéis. Outras regiões fora da América do Sul fazem isso, como Turquia e Dubai, onde o turismo é muito forte. Não é culpa do governo. A culpa é de todos ao final. Não temos que falar de culpa e sim das soluções para o setor".