São Paulo Atualidade das empresas
Em ano de ‘macro’ difícil, Carrefour investe menos e quer crescer com o ‘jeito’ Atacadão
Plano leva forma de operar do atacarejo ao grupo; rede avalia iniciativa transversal entre marcas
O grupo Carrefour tem o desafio de crescer neste ano explorando mais os ativos que fizeram a em- presa dobrar de receita após a compra de parte do Makro e o grupo Big, entre 2020 e 2022. Uma das ações em andamento passa por implementar no Carrefoura forma de trabalhar do Atacadão, rede controlada pela empresa.
Pelo tamanho e escala do negócio hoje — são R$ 120,5 bilhões em receita bruta, quase duas vezes o Mercado Livre — pode parecer algo trivial, só que o negócio alimentar não funciona bem assim. E, a concorrência também não tem dado trégua a nenhuma rede do setor.
O fato é que ninguém compra mais arroz ou feijão se o país cresce, porque mudou de emprego ou teve aumento de salário, por exemplo. E, as margens são as mais baixas de todo o varejo, o que torna constante a busca pela venda, para diluir custos e gerar eficiência.
Em entrevista na sede da empresa, possivelmente, a última antes da provável deslistagem da empre- sa da B3, Stéphane Maquaire, presidente do grupo, dá o tom das medidas que vem tomando para 2025 — especialmente nas lojas mais antigas, a chamada vendas “mesmas lojas”. Essa receita cres- ceu 4,9% em 2024 na empresa, e no rival Assaí, subiu 3,4%.
Sobre as ações para lidar com a escalada da inflação alimentar, a empresa vem adiando, em alguns dias, os repasses de reajustes ao consumidor. O executivo diz ainda que o fechamento de capital, in- formado neste mês, não tem relação apenas com a desvalorização do real, apesar de entender que há o efeito positivo do câmbio.
O grupo já informou ao mercado, na semana passada, após publicação do balanço do quarto trimestre, que irá investir menos neste ano, porque deve abrir uma menor quantidade de lojas. A empresa não projeta números. Entre 2023 e 2024, 60% do que investiu foi em expansão orgânica. Cenário macroeconômico in- certo, tensionado por dólar e juros altos, pesa na decisão.
A varejista é dona das redes Carrefour (supermercados e hipermercados), Atacadão (ataca- rejo) e opera o Sam’s Club, do grupo Walmart, no país. Em dezembro, eram 1.007 lojas.
Maquaire diz que 2025 é um ano de “colher frutos” dos investimentos nas aquisições e na maturação de lojas abertas que mudaram de bandeira. Ano passado, 191 supermercados, hipermercados e lojas de conveniência foram fechados por desempenho fraco e 18 viraram Atacadão.
Mas o CEO abre também aspectos internos que têm que evoluir. “Estamos trabalhando no que falta ser feito de simplificação de sistemas e de processos, que sempre foi algo complexo de administrar, e isso deve reduzir despesas. Ainda temos trabalho aí”, diz.
“Também vamos colocar novos serviços [padarias, açougues] ao cliente no Atacadão, o que ajudará na receita, sem que isso aumente o peso das despesas na receita”. Essa relação entre receita e despesas caiu de 14,5% para 13,5% entre 2023 e 2024, com varejo e atacado melhorando o percentual, mas o Sam’s Club teve uma piora.
São 150 lojas com serviços, das 379 do Atacadão, e eles representam só 3% das vendas das lojas— logo, ainda é pouco relevante, e trazem margem maior que a média.
Na visão dele, sobre a questão das despesas “isso não foi tão bem trabalhado”, inclusive, na integração do grupo Big. Somado a isso, o grupo ainda deve buscar mais agilidade em tarefas administrativas, no Centro de Serviços Compartilhados, em Porto Alegre (RS).
Nesse “pacote” geral, redução de pessoal será menos relevante do que os ajustes já feitos após a compra de Makro e Big. “Agora é muito mais [rever] as despesas, e não pessoas”, afirma.
De dois anos para cá, o Carrefour dispensou executivos, inclusive da diretoria executiva, e os desligamentos atingiram cerca de 2,2 mil pessoas em todo o grupo em dezembro de 2024, informou na época o Valor. Ao fim de 2023, eram 150 mil funcionários no total.
Paralelo à ações internas, há decisões já tomadas no financeiro. O Carrefour está segurando o fluxo de caixa para desalavancar mais a companhia por conta da pressão de aumento de juros neste ano, que impacta despesa financeira.
Em 2024, o custo da dívida até permaneceu em linha frente a 2023 devido à redução nas taxas de empréstimos com a matriz.
Na prática, o que o Carrefour quer é um equilíbrio: se conseguir elevar mais vendas, pode diluir despesas, melhorando o operacional, e por tabela, reduzo indicador de alavancagem. Além disso, ao proteger caixa, a dívida líquida cai, o que também pode reduzir a pressão sobre essa alavancagem.
Para chegar a esse índice, divide-se a dívida líquida pelo ebitda, e na empresa, isso estava em 2,35 vezes em dezembro. É praticamente estabilidade frente a 2023, após aquisições e investi- mentos, só que no fim de 2022, atingiu 1,92 vezes (com recebíveis descontados e alugueis).
Além disso, a Selic em alta afeta essa métrica, assim como o maior desconto dos valores a receber de clientes. A varejista vem descontando mais recebíveis por causa de uma tática para elevar as vendas.
Trata-se do financiamento, pela rede, da venda parcelada ao consumidor do Atacadão, algo que ocorre desde abril de 2024. Compras podem ser pagas em três vezes em qualquer cartão de crédito, algo que o mercado torceu o nariz quando lançado, pelos riscos.
Acontece que a varejista demora mais a receber pela venda e precisa financiar esse “delay” via desconto de recebíveis. Esse valor subiu 40% em um ano, segundo balanço.
O comando diz que a medida funciona, tanto que as vendas “mesmas lojas” aceleraram mais que a da concorrência em 2024. E se não estivesse dando certo, já teriam parado. A opção de paga- mento atingiu 10% das vendas do atacarejo no ano passado.
“Começamos a parcelar em três vezes no Atacadão, e daqui a pouco, todo mundo vai fazer” Stéphane Maquaire
A direção do rival Assaí disse, semana passada, que testará al- go, pontualmente, junto a clientes pessoas jurídicas, mas mantém as críticas ao modelo, pelo custo financeiro.
O Banco Central tem elevado a taxa Selic desde 2024, após a disparada do dólar, alimentada pela desconfiança da fragilidade fiscal do país, e política de cresci- mento do governo, pressionado por maior rejeição popular.
Internamente, Maquaire ainda tem duas ações em andamento, a primeira provavelmente mais complexa do que a segunda.
O executivo tem trabalhado para implementar no Carrefour o mesmo jeito do Atacadão trabalhar. Enquanto a maior cadeia de atacarejo do Brasil, com R$ 86 bilhões de vendas anuais, toma medidas de forma mais ágil, o Carrefour é visto como lento e burocrático, dizem fontes.
A questão é que o Carrefour é 25% das vendas no Brasil, e Atacadão, pouco mais de 70% (não inclui Sam’s), mas parte dos processos seguiam o padrão Carrefour.
“Queremos a cultura do ataca- do na cultura do Carrefour, temos que ‘puxar’ muito um perto do outro, e eu vou continuar com isso, caso a deslistagem na bolsa aconteça”, diz Maquaire.
Por exemplo, o grupo já começou a negociar com alguns fornecedores, da mesma maneira que o Atacadão trabalha. Para ele, é algo que ainda pode ser replicado na forma como o grupo global se integra aos seus negócios locais.
É um trabalho que, naturalmente, tende a enfrentar resistências, numa operação com o controlador com o DNA francês — apesar do longo histórico de 50 anos no Brasil, a serem completados neste ano.
“Por que não aproveitar [o câmbio na deslistagem]? A França sempre acreditou no país” Stéphane Maquaire
O receio é que isso acabe virando uma dor de cabeça no colo do Atacadão, com um efeito oposto, ou seja, do Carrefour sobre a rede de atacado. “O Atacadão tem um maior comprometimento da equipe, e o Carrefour vem trocando de time lá dentro com frequência, para citar uma diferença de cultura”, diz um ex-executivo.
O CEO disse que isso só ocorreria se não tivesse acontecido uma mudança de “chip” interna, com uma “mudança de cabeça”.
“Culturalmente, decidimos virar o jogo, trabalhando para fazer tudo do jeito do Atacadão em termos de organização, de processos, mas obviamente uma virada enorme dessa é alinhada com o nosso global. Até porque o global também tem que mudar”, disse.
Em 2024, a receita bruta do Atacadão cresceu 8,7%, para R$ 86 bilhões, e a do Carrefour (supermercados e hipermercados), recuou 9,4% para R$ 27 bilhões - reflexo de fechamento de lojas. O lucro líquido foi de R$ 1,9 bilhão, versus perda de R$ 639 milhões em 2023.
O segundo movimento envolve integrar mais as marcas Carrefour, Atacadão e Sam’s. Há um entendimento que a maioria dos consumidores não sabe que esses negócios são do mesmo grupo, inclusive, uma rede de atacado genuinamente brasileira — algo que poderia ser melhor explorado.
“Temos que aproveitar mais esse fluxo de clientes com iniciativas transversais”, diz o CEO. Desde setembro, é possível usar cartão Carrefour no Atacadão e no Sam’s com direito a certos benefícios. “Podemos ter um programa de fidelidade universal, o Meu Grupo Carrefour, para todas as marcas”, afirma, sem detalhar a respeito.
Outro ponto que está na agenda hoje envolve a escalada de preços nas lojas desde o fim de 2024, após a alta do dólar. Aumentos de preços, inicialmente, são positivos, porque elevam a receita nominal das cadeias. Só que, no longo prazo o efeito é nocivo.
O Carrefour não tem segurado os repasses, mas adiado alguns dias, até uma semana, para dar um alívio ao consumidor. Ainda acredita que a alta dos preços perde força no segundo semestre, até pela base forte de comparação de 2024. Em relação às lojas, em 2024, foram abertas 19 unidades do Atacadão (18 conversões de outras redes e uma abertura nova) e sete do Sam’s Club. Não foram abertos novos supermercados ou hipermercados, ainda fora dos planos de expansão orgânica. A unidade de varejo rejo passa por uma reestruturação que ainda está em andamento.
Maquaire afirma que haverá “bem menos” aberturas em 2025, mas prefere não dar previsão — em teleconferência com analistas, dia 19, disse que é algo que “todo mundo”, está fazendo no país, por conta do aumento do custo do capital com o avanço da Selic.
Sobre os valores de investimentos, em 2024 foram R$ 2,1 bilhões, o terceiro ano de recuo no montante (já descontado o efeito dos gastos em aquisições), pela necessidade de puxar o freio de mão das saídas de caixa em 2025.
Embora não abra dados futuros, se desacelerar como afirma, pode retomar a patamares de antes da pandemia — em 2019, essa soma ficou em cerca de R$ 1,8 bilhão.
Com base nessas medidas, o grupo entende que pode passar por 2025 sem maiores solavancos — se o cenário macroeconômico permitir —e voltar a acelerar aberturas em 2026 e 2027.
A respeito do plano de fechamento de capital pelos controladores franceses, para Maquaire trata-se de uma decisão lógica, considerando que o ativo não tem se valorizado na bolsa, apesar dos investimentos dos últimos anos. A rede vale R$ 15,3 bilhões (€ 2,5 bilhões) e desde que abriu capital, perdeu 50% de seu valor.
Para gestores ouvidos, é difícil entender a tomada de decisão agora, a não ser pela recente vantagem cambial [real mais desvalorizado frente ao euro], já que o ativo, desde o fim de 2022, não voltou aos R$ 15 da cotação do IPO.
“Por que não aproveitar [o cambio]?”, diz ele. “Sempre a França acreditou nas oportunidades de crescer no país, e agora o preço [da ação] está menor. E depois acho que fizeram todos os passos de governança. E, isso vai simplificar muitas coisas. Porque, às vezes, duas empresas listadas, uma acima da outra, dá pouca autonomia e gera desalinhamentos.”
Maquaire ainda respondeu sobre o risco de pouca adesão a uma das propostas para fechamento de capital. Existe a possibilidade de converter 11 ações no país para uma ação na França, como apresentado pelos controladores.
E, por que alguém aceitaria ser sócio da rede na França, após a ação ser avaliada em R$ 7,70, num IPO que saiu com papel a R$ 15? “É uma pergunta talvez para a Península Participações [acionista da rede no país e na França]. Porque eles já disseram que vão converter seus papéis. E, não sei se todo mundo vai vender a R$ 7,70.” A Península não comenta o assunto.
Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/02/28/em-ano-de-macro-dificil-carrefour-investe-menos-e-quer-crescer-com-o-jeito-atacadao.ghtml